terça-feira, 22 de março de 2011

BULLYING



              A autora Cleo Fante (2005) inicia o texto conceituando o termo bullying, que, para autora, seria uma “[...] palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais [...]”(p. 27)
              Fante (2005) também aponta que na maioria dos casos o agressor direciona suas ameaças e agressoões em direção à uma vítima indefesa e frágil, que geralmente não consegue se defender, seja por sua fraca estrutura física, seja por timidez, entre outros fatores. Em outras palavras, portanto, 

[...] bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angustia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuações de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying. (FANTE, 2005, p.28-29)

              Ao descrever o fenômeno bullying, Fante (2005) também esclarece que este tipo de violência não acontece somente nas escolas, apesar de ser o local mais comum. Mas as agressões, ameaças, humilhações, podem se dar também na família, em clubes, no trabalho, no exército, entre outros ambientes. Além disso, deve-se considerar que, apesar deste fenômeno ter chamado tanto a atenção nas últimas décadas, despertanto várias pesquisas, as manifestações de bullying estiveram presentes desde os tempos mais remotos, configurando apenas agora, um tema de denúncia.   A autora alerta, ainda, que este fenômeno infelizmente é muito comum nas escolas. Em pesquisa realizada no Rio de Janeiro em 11 escolas com alunos de 5° a 8° series 40,5% dos alunos admitiram estar envolvidos de alguma forma em bullying.    
              Fante (2005), ao debruçar-se sobre o estudo do desenvolvimento do fenômeno bullying em sala de aula, retoma os apontamentos do professor Dan Olweus. No qual ele diz ser comum a existência de tensões e conflitos uma sala de aula. No entanto, quando há um ou mais agressores em potencial, que possua um temperamento irritadiço, manifestando uma necessidade de ameaçar, subjugar e dominar, estes podem acabar influenciando um grupo, ou até toda a classe. Nesse sentido, pequenas atitudes agressivas, vão tomando força, e se tornam em grandes manifestações de violência conforme o agressor sente-se onipotente e admirado pelo restante do grupo. Por sua força física, o agressor acaba ferindo fisicamente e psicologicamente as vítimas, e estas, por sua vez são escolhidas por serem alvos frágeis. Geralmente, são pessoas tímidas, inseguras, passivas, com dificuldade de se expor, entre outras características. Estas pessoas são escolhidas pelos agressores por estes saberem que a vítima não irá revidar, e ninguém lhe sairá em defesa. Nas palavras da autora,

Esse tipo de aluno representa o elo frágil da cadeia, uma vez que o agressor sabe que ele não vai revidar se atacado, que se atemorizará, vindo talvez a chorar, não se defenderá e ninguém o protegerá dos ataques que receber. O bode expiatório constitui-se, para um aluno agressor, num alvo ideal. Sua ansiedade, ausência de defesa e seu choro produzem um forte sentimento de superioridade e de supremacia no agressor, que pode então satisfazer alguns impulsos de vingança. (FANTE, 2005, p. 48)
              A autora continua pontuando que, geralmente, os agressores se satisfazem vendo outros atacarem as vítimas, da mesma forma quando ele mesmo é o autor dos ataques. Contudo, na maioria das vezes, os professores e outros funcionários da escola não percebem o que está acontecendo, deixando assim, os alunos entregues a si mesmos. Fante (2005) expõe ainda que, na maioria dos casos, a vítima não conta o ocorrido para ninguém, e além disso, é comum que vários outros alunos participem dos maus-tratos às vítimas elencadas. Infelizmente, a autora comenta que os alunos agredidos muitas vezes passam acreditar que não tem valor e que são merecedores dos ataques. Estes alunos isolam-se cada vez mais, ficando cada vez mais estigmatizados pelos outros estudantes. O fato de os outros alunos temerem tornar-se também alvo dos ataques, acaba fazendo com que eles se afastem das vítimas, consumando ainda mais, o isolamento do aluno atacado.
              Fante (2005), ainda citando o professor Dan Olweus, constata que a grande maioria dos casos de bullying se dão dentro das escolas. Contudo, para um ato agressivo ser considerado bullying, deve ser levado em consideração a gravidade e a freqüência da agressão. Sendo assim, a autora caracteriza os atos de bullying como:

[...] comportamentos produzidos de forma repetitiva num período prolongado de tempo contra uma mesma vítima; apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ocorrem sem motivações evidentes; são comportamentos deliberados e danosos. (FANTE, 2005, p. 49).

              Por último, a autora diferencia dois tipos de bullying, a direta e a indireta, sendo as duas, muito prejudiciais às vítimas. A primeira inclui agressões físicas e verbais. E a segunda, indireta, seria provavelmente a mais danosa, ao conferir à vítima traumas irreversíveis, que aconteceria através da disseminação de rumores desagradáveis e desqualificantes, objetivando a exclusão e discriminação da vítima de seu grupo social.    
               
        

FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying. In:Fenômeno Bullying: Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas, SP: Verus, 2005. p. 27-50.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A Lei Paterna e o Paradigma na Construção da Identidade em Crianças e Adolescentes


A partir do momento em que o ser humano passou a agir sobre a natureza por meio do trabalho, ele emergiu como sujeito, apropriando-se da cultura, da linguagem e da lei. Neste contexto, fez-se necessário também, que o homem abrisse mão de certa liberdade individual, para se submeter a um convívio em sociedade. Frente a essa contradição, nos tornamos humanos na medida em que renunciamos a onipotência do nosso desejo, e nos submetemos às regras necessárias para um convívio harmonioso em comunidade.
Tal renúncia, de acordo com Freud, representaria o alto preço pago para manutenção da civilização hodierna. Hoje, portanto, o ser humano já nasce imerso a toda uma gama de regras e limites que delineiam nossa complexa sociedade atual. E desde cedo terá, então, de aprender a seguir cada uma dessas leis básicas de convivência. Tal aprendizado dá-se principalmente através dos processos identificatórios. Uma vez que, para constituir-se, um ser humano busca, em outros, atributos e modelos para seguir. Este processo de identificação dar-se-ia principalmente nos primeiros anos de vida, em que a criança elege como modelo de conduta, as pessoas mais representativas de sua vida. Pais, familiares, professores, entre outros; em um movimento dialético entre interior e exterior, impressões subjetivas, e estímulos vindos do ambiente. Tudo isto, propiciaria a estruturação da identidade individual do ser humano. E, conseqüentemente, a introjeção de normas e regras imprescindíveis que o possibilitaria tornar-se membro da sociedade humana. 
Este processo estruturante, teorizado também por Lacan, como Lei Paterna, implica sumariamente em uma interdição do desejo onipotente da criança. Papel este, desempenhado por uma figura paterna, que entra como terceiro na relação dual entre mãe e filho, a fim de barrar a consumação de desejos incestuosos, impondo, dessa forma, a Lei Primordial a qual seria a base de toda constituição moral e valorativa repassado para a criança. Neste contexto, a figura paterna seria a representação da lei para o indivíduo em sua mais tenra idade, ocupando um posicionamento de principal modelo identificatório para a criança.
 Tendo estas considerações em mente, uma ascendente preocupação hoje, são as mudanças culturais e sociais que poderiam, de alguma forma, alterar ou até prejudicar tal estruturação moral sintetizada acima, sendo então, uma das prováveis causas da falta de limites, e da indisciplinaridade, tão comentadas hoje nos comportamentos de crianças e adolescentes. Nesse ínterim, o problema expoente da criminalidade infanto-juvenil também encontraria, na ausência de uma Lei Paterna, uma possível causa.       
Sob uma perspectiva histórica, notou-se que a imagem do Pai sofreu, sim, uma desvalorização. Houve um declínio daquela posição autoritária e detentor exclusivo da lei e da ordem. Paralelamente, devido também à multiplicidade de arranjos familiares, e a valorização da mulher no sentido de um movimento de ‘igualdade entre os sexos’; responsabilidades, deveres e direitos que eram atribuídos apenas para o genitor da criança, passaram a ser de responsabilidade mútua de pai e mãe igualmente.
Portanto, pode-se inferir que as modificações históricas e culturais na estruturação social da família e da sociedade em geral, trouxeram consideráveis alterações na Lei Paterna, que hoje, configura-se de maneira diversa daquela conhecida anteriormente em períodos passados. Houve sim, uma mudança, um declínio na Imagem Paterna. Entretanto, esta não se configura em um declínio da Lei do Pai. Uma vez que tal posição, de representante da Lei, tem sido desempenhada por outras pessoas ou instâncias: se não pelo pai biológico, por um padrasto, por um tio ou avô, por uma mãe, por uma professora. E além deles, órgãos e instituições também desempenham hoje, esta representação, seja a instituição escolar; seja os Conselhos Tutelares; seja a instituição judiciária, por meio da Vara da Infância e da Juventude; seja o próprio Estado; e a comunidade em geral.[1]
Sendo assim, podemos dizer que temos hoje, várias instâncias representantes da Lei para crianças e adolescentes que não somente seus pais. Entre elas, destacamos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz consigo direitos e deveres de propriedade da população infanto-juvenil.
Volta-nos então, a pergunta: se atualmente a função da Lei Paterna pode, sem prejuízos, ser desempenhada por outra pessoa que não necessariamente o pai; por que motivos, hoje se vê a expoente problemática de infrações e violências cometidas por crianças e adolescentes? E ainda, por que um dos assuntos mais preocupantes na atualidade, tem sido a indisciplinaridade e a rebeldia deste feixe da população?
Sobre isto, não há outra explicação, senão dizer que por razões multifatoriais[2], a intervenção da Lei Paterna, não tem sido integralmente efetiva na vida dos indivíduos, causando assim, posicionamentos e atitudes que divergem das normatizações estabelecidas socialmente. Uma vez que, por um lado, há uma intimação para que todo familiar, órgãos e instituições, bem como de toda comunidade, assumam sua parcela de responsabilidade no que tange a garantia os direitos da população infanto-juvenil, conferindo a estes indivíduos um desenvolvimento saudável e próspero. E, por outro lado, infelizmente esta intervenção não tem sido efetiva em nossa atualidade, manifestando uma negligência maléfica, que tem permitido a perpetuação de um contexto infeliz na vida de muitos jovens. 





[1] A participação da sociedade em uma forma geral na vida de crianças e adolescentes, se deu após a constituição de 1988, que estabelece um convênio de colaboração mútua entre todos, na tutela “lato sensu” de crianças e adolescentes. É claro que, a convivência experimentada pela criança e, posteriormente, pelo adolescente na escola, com professores, familiares de seus amigos, etc., são determinantes na configuração de suas personalidades na mesma proporção que têm influência dos reais titulares do poder familiar.Ainda que uma série de órgãos e entidades mesmo que particulares, estejam voltados, direto ou indiretamente à essas finalidades, relevante ressaltar, que o feixe de atribuições e por conseguinte, as suas conseqüências, repercutem tão apenas na esfera individual daqueles que legitimamente o detém. Ou seja, ainda que os professores e os pais exerçam quantitativa e qualitativamente influências de variadas naturezas, sobre os alunos (e filhos), os vetores resultantes das ações e/ou omissões que uns e outros incorram, no sentido da negligência ou da imprudência no exercício destas prerrogativas, são evidentemente distintas.
A exemplo, tem-se os resultados na esfera jurídica de excessos de poder correcional por parte dos professores que ocasionam processo criminal, e de outra parte, os pais, que são destituídos do poder parental, sem prejuízo de eventual sanção penal. 
     [2] Razões estas não abordadas aqui, por não adentrar as especificidades do presente trabalho, suscitando, contudo, questões relevantes para uma próxima oportunidade. 


FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. (1929/1969). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. (1913/1969) In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FREUD, Sigmund. Algumas conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos. (1925/1969). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XIX. Rio de Janeiro: Imago. 1969.
FREUD, Sigmund. O Ego e o Id (1923/1976). In: Obras Psicológicas Completas. Coord. Ed. de Pedro Paulo de Sena Madureira. 1ª Edição, Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago. 1976.
HURSTEL, Françoise. As novas fronteiras da paternidade. Campinas, SP: Papirus, 1999.
LACAN, Jacques. (1957/1958) O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.


MARTINS, Andressa Pires (et al). A Lei Paterna e o Paradigma na Construção da Identidade em Crianças e Adolescentes. Relatório Final de Pesquisa Docente, Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude (NEDIJ), Universidade Estadual de Maringá, 2010