quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Abuso, Compulsão e Dependência Química


Sob uma perspectiva psicológica, a primeira compreensão que precisamos ter em mente é que a dependência química é uma patologia, uma doença. Tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS), como o Código Internacional de Doenças (CID-10), classificam a dependência química como uma enfermidade incurável e progressiva, e que pode ser estacionada pela abstinência. Ou seja, assim como o diabetes, e a pressão alta, a dependência química é uma doença que deve ser tratada por toda vida. É justamente por isso, por exemplo, que é aconselhável ao dependente químico em tratamento, que evite lugares onde habitualmente ele consumia drogas.

Sabendo, então, que a dependência química é uma doença, como podemos identificar se alguém próximo de nós, algum familiar, amigo, ou se nós mesmo temos esta doença? Para isso, vamos pontuar algumas características que a Organização Mundial de saúde, descreve como sintomas da dependência:

Diretrizes da OMS para diagnóstico de Dependência
1 - Forte desejo ou compulsão para usar a substância.
2 - Dificuldade em controlar o consumo da substância, em termos de início, término e quantidade.
3 - Presença da síndrome de abstinência ou uso da substância para evitar o aparecimento da mesma.
4 - Presença de tolerância, evidenciada pela necessidade de aumentar a quantidade para obter o mesmo efeito anterior.
5 - Abandono progressivo de outros interesses ou prazeres em prol do uso da substância.
6 - Persistência no uso, apesar das diversas conseqüências danosas.

Bem, infelizmente, é muito comum que o dependente não reconheça a gravidade da situação, isto porque a negação também faz parte da patologia. O pensamento de que “está tudo sob controle”, ou “posso parar quando quiser”, ou “vou morrer de qualquer jeito” são justificativas usadas para negar a dependência.

Diante disso, precisamos saber que familiares e amigos têm um papel fundamental de estarem atentos e ajudar o usuário e dependente de álcool e outras drogas a reconhecer sua doença e buscar ajuda.  

Alguns outros sinais, que sugerem o abuso e dependência de drogas podem ser: pupila dilatada, fome e sono desregulados, desinteresse pelas atividades habituais, descontrole no uso das finanças, entre outros comportamentos.

No caso do dependente não reconhecer sua situação, familiares, companheiros, ou amigos podem e devem buscar orientação e ajuda em locais especializados. E assim, começarem um acompanhamento, mesmo sem a presença do dependente.

O atendimento disponibilizado aos usuários e dependente de álcool e outras drogas incluem uma Rede de serviços, que propõem uma abordagem multidisciplinar, como preconiza a Política nacional, tal assistência é organizada pelo SUS Sistema Único de Saúde, e inclui:  Programa de Saúde da Família, Programa de Agentes Comunitários de Saúde, CAPSad, Hospital Geral, no caso de Maringá, o atendimento é feito na Emergência Psiquiátrica do Hospital Municipal, e, em última instância, o Hospital Psiquiátrico.

Atualmente, temos também uma Rede de atendimento complementar que inclui as Comunidades Terapêuticas, os grupos de apoio como Narcóticos Anônimos, Alcóolicos Anônimos, Mão Amiga entre outras instituições.

O ideal seria que o tratamento fosse realizado em um ambiente extra-hospitalar, ou seja, sem o isolamento físico do dependente, porém, em alguns casos, a internação é necessária. É importante lembrar que cada indivíduo requer uma atenção particular, isto porque, não podemos determinar uma única forma de tratamento para todos os indivíduos. Como diz a frase: “Cada caso é um caso”.

Em todo o processo do tratamento, o acolhimento é muito importante, um grupo de familiares, amigos, ou instituições religiosas que apoiem o usuário. O sentimento de pertença, que eleva a auto-estima, é indispensável para o tratamento. Infelizmente, o que ocorre na maioria das vezes é a rotulação e a estereotipação do usuário, o afastamento das pessoas, o dependente fica com sua imagem denegrida.

Precisamos ter em mente que a dependência, o abuso e compulsão, infelizmente, sintomas comuns da sociedade pós-moderna, seja em compras, em jogos, em internet , em comida, em álcool e outras drogas. Estes comportamentos em níveis patológicos precisam ser prevenidos e tratados de forma acolhedora e contínua.  

Neste processo, precisamos enfatizar também a co-dependência, isto é, o papel desempenhado pelas pessoas mais próximas do usuário, pais, irmãos, companheiros, que também precisam de acompanhamento, e que muitas vezes, acabam negando também a dependência. A dependência química não é uma doença contagiosa, mas contagiante, pois as pessoas ao redor tendem a se acostumar com a situação, achando que está tudo bem, ou que se trata de uma fase passageira apenas.

Depois de iniciado o tratamento, seja em modo de internação, ou ambulatorial, comumente acontecem as “recaídas”. Raros casos, o dependente abandona permanentemente o uso da substância, normalmente, ocorrem recaídas cada vez mais espaçadas. O importante é sempre lembrar que uma recaída não invalida o tratamento.

A prevenção sempre é a melhor forma de lidar com esta questão. Um bom diálogo, a transmissão de informações, e a criação de um espaço de confiança de fala, escuta, e troca de pontos de vista, é o essencial dentro da família, da escola, e das instituições de apoio.  

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Identificação como Processo de Aprendizagem

Atualmente, devido a todo um processo de desenvolvimento moral e ético da civilização, o ser humano já nasce imerso a uma sociedade repleta de normas e limites. E desde cedo tem de aprender a seguir cada uma dessas leis básicas de convivência[1]. E tal processo, de convívio social, dá-se, principalmente, por meio da identificação.

A identificação é o processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações (LAPLANCHE e PONTALIS, 2001, p. 226)[2].

 Freud (1921)[3] postula que este movimento de identificação tem uma importante significação na vida do indivíduo, uma vez que, esta seria a operação pela qual um sujeito humano se constitui. Esta apreensão iria também determinar a forma tomada pelo Ego, contribuindo no sentido de construir o 'caráter' deste Ego.
O Ego seria a instância psíquica, denominada por Freud, responsável por manter a integridade física e psíquica do indivíduo, em outras palavras, responsável por manter o organismo vivo. Sua constituição se daria mediante dois processos, um interior, como um aparelho adaptativo da personalidade interna em contato com a realidade exterior. E outro, de caráter exterior, produto de uma série de identificações com figuras representativas no decorrer de sua vida. Tais processos constituiriam a forma tomada pelo Ego, e da personalidade. Portanto, temos que, desde os primeiros anos de vida, a criança espelha-se em diversos tipos de modelos representativos, a fim de construir sua própria identidade, em um movimento dialético entre exterior e interior. Nas palavras de Freud, “Podemos apenas ver que a identificação esforça-se por moldar o próprio Ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo.” (1921)[4].
O modelo eleito por cada criança irá ocupar o lugar de uma Imago[5] na mente do infante, servindo de referência e ideal a ser alcançado. As Imagos são elaboradas subjetivamente, percebido de acordo com o estado e a dinâmica do sujeito que apreende o outro como objeto. 
De acordo com o autor Charles Brenner (1973)[7], o processo da identificação tem uma enorme significação no desenvolvimento do Ego, e dependerá principalmente, das experiências do indivíduo. A tendência em procurar assemelhar-se a algo ou alguém representa uma parcela de grande importância nos relacionamentos interpessoais, bem como nos relacionamentos com os objetos em geral. Tal atitude já pode ser contemplada nos primeiros anos de vida, em que o bebê imita um sorriso, um balbucio, até chegar, mais tarde, à aquisição da linguagem. Tal processo dar-se-á continuamente ao longo da vida do ser humano, contudo, propende a tornar-se, em grande medida, inconsciente.  


MARTINS, Andressa Pires (et al). A Lei Paterna e o Paradigma na Construção da Identidade em Crianças e Adolescentes. Relatório Final de Pesquisa Docente, Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude (NEDIJ), Universidade Estadual de Maringá, 2010.


[1] Citam-se aqui, a proibição do canibalismo, do incesto e do desejo de matar. E torna-se válido dizer que, com o tempo, novas regras começam a aparecer; a princípio derivadas dessas primeiras. No decorrer da evolução, surgem novos arranjos sociais e, portanto, novas exigências e necessidades de normas e é entre elas, que emerge com força a lei sobre a propriedade. Contudo, fica essa idéia a titulo de informação, pois não é este o foco dessa pesquisa.
[2] LAPLANCHE, Jean e PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. Tradução Pedro Tamen, 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 226.
[3] FREUD, Sigmund. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego (1921/1969). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
[4] FREUD, Sigmund. Idem.
[5] A palavra imago se refere a uma representação inconsciente que uma pessoa tem de outrem, não devendo ser entendida necessariamente, como um reflexo do real. De acordo a definição de Laplanche e Pontalis, seria um “Protótipo inconsciente de personagens que orienta seletivamente a forma como o sujeito apreende o outro; é elaborado a partir das primeiras relações intersubjetivas reais e fantasísticas com o meio familiar” (2008, p. 234).
[7] BENNER, Charles. Noções Básicas de Psicanálise: Introdução à Psicologia Psicanalítica. 2. ed. Rio de Janeiro: IMAGO Editora, 1973. 

quinta-feira, 9 de junho de 2011

EDUCAÇÃO SEXUAL: PAPEL DA ESCOLA OU DA FAMÍLIA?

A princípio, deve-se saber que trabalhar o tema da sexualidade, não é fácil, mas um desafio tanto para família, quanto para escola. O importante é propiciar um clima de debate e discussão, que permita troca de pontos de vista, e dê liberdade para que qualquer tipo de dúvida possa ser esclarecida. Abordando todo tipo de assunto que permeie a vivência sexual, para que preconceitos e mitos sejam desconstruídos. Gerando assim, atitudes e concepções mais saudáveis e mais tranqüilas. Devemos caminhar para um relacionamento melhor entre pais e filhos, em que haja uma comunicação efetiva que permita o esclarecimento de dúvidas e que possibilite um compartilhar de sentimentos, emoções e experiências vividas. E acima de tudo, precisamos priorizar o respeito mútuo.

Importantes autores da Psicologia do Desenvolvimento, como John Bowlby, concordam que a qualidade do relacionamento familiar poderá influenciar emocionalmente na formação da personalidade do indivíduo. Além disso, Winnicott (2005), aponta que um ambiente suficientemente bom, que disponha afeto e cuidados à criança, são fundamentais para a constituição da subjetividade, e o desenvolvimento das habilidades necessárias para uma vida em comunidade. Em primeira instância, portanto, a educação sexual deve e começa em casa, pois será em casa que a criança apreenderá a base sólida para construir uma relação saudável com outra pessoa, e esta tarefa deve ser continuada pela escola. (SUPLICY, 1984).

A continuidade da Educação Sexual pela escola se explica pelo fato de que tal instituição é entendida hoje, como um espaço de esclarecimento de dúvidas e de formulação de questões, além de representar também, um espaço privilegiado para busca de possíveis soluções e de incentivo ao conhecimento. (BRAGA, 2002)

Em 1998, o Ministério da Educação incluiu a Orientação Sexual nos Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Neste documento, afirma-se a importância de que a escola possa oferecer um espaço específico para orientar, debater e tirar as dúvidas dos alunos sobre a sexualidade. (BRASIL, 1997) Isto porque, já se sabe que, a sexualidade constitui um dos elementos essenciais no processo de desenvolvimento humano. 

Sendo assim, a Educação Sexual na Escola deve objetivar, principalmente, abordar o assunto da sexualidade, das emoções e sentimentos envolvidos nos relacionamentos em geral, de forma positiva e saudável. Intentando-se, dessa forma, instigar os alunos a refletir e indagar sobre o tema transversal da sexualidade, e dentro desta temática, sobre as relações afetivas. Buscando sempre uma troca mútua de informações e esclarecimentos adequados no que tange à esta importante área do desenvolvimento humano.


REFERÊNCIAS


Bowlby, J. (1988). Cuidados maternos e saúde mental. São Paulo: Martins Fontes.
BRAGA, E. R. M. SEXUALIDADE INFANTIL: UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DA CONCEPÇÃO DAS EDUCADORAS DE UMA CRECHE UNIVERSITÁRIA SOBRE EDUCAÇÃO SEXUAL. Assis, 2002. 195p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Câmpus de Assis, Universidade Estadual Paulista.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
COSTA, Moacir. Sexualidade da Adolescência: Dilemas e Crescimento. 3. ed. São Paulo: L&PM Editores, 1986.
SUPLICY, MARTA. Conversando sobre sexo. Petrópolis: Vozes, 1984.
 WINNICOTT D. W. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

terça-feira, 7 de junho de 2011

SEXUALIDADE EM PAUTA

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2005), a sexualidade é a energia que motiva encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e são tocadas. Sendo assim, considera-se sexualidade as diversas formas, jeitos, maneiras que as pessoas buscam para obter ou expressar prazer.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), “[...] busca-se considerar a sexualidade como algo inerente à vida e à saúde,que se expressa desde cedo no ser humano.” (BRASIL, 1997, p.107)

No período da infância e adolescência, é fundamental que cada indivíduo entenda seu crescimento e seu amadurecimento. Inclusive, no que tange ao desenvolvimento de sua sexualidade. Em qualquer etapa do desenvolvimento, há uma busca por entender o que se passa com seu corpo, com suas emoções, e sua sexualidade. A criança, tem uma necessidade de externalizar sua energia através de várias formas de participação. O pré-adolescente, não consegue ignorar sua curiosidade e suas indagações a respeito das mudanças em seu corpo, quer entender o que ocorre com seu organismo, e o que isto significa. O adolescente não admite mais a manutenção de um estado de silêncio, que traz consigo desconhecimento e ignorância. Na maioria das vezes, torna-se muito difícil para o adolescente entender e aceitar certas emoções que ainda não experimentou. É por isso que nestes períodos da vida, há uma constante e saudável busca pelo desconhecido, esta investigação certamente contribuirá para um crescimento e amadurecimento pessoal. (Costa 1986).

Tomando alguns apontamentos do autor Moacir Costa (1986), concordamos que ainda há um grande desconhecimento sobre a sexualidade, e muitas distorções decorridas da falta de informação, infelizmente, são transmitidas de geração em geração, perpetuando muitos mitos e preconceitos. A constatação deste quadro leva à necessidade da criação de espaços de comunicação, no qual as questões ligadas ao desenvolvimento emocional e sexual sejam abordadas claramente, para que todos possam refletir, não somente sobre sua própria vida íntima, como também sobre a importância de sua relação com o outro. (COSTA,1986).


O período da adolescência é uma etapa riquíssima, em que as brincadeiras e os jogos da infância se transformam em descobertas e experiências fundamentais para o desenvolvimento emocional. E o contato com estas emoções é que vai facilitar a formação de vínculos sociais e de afeto, elementos indispensáveis para uma vida sexual sadia. Infelizmente, ainda há um número estrondoso de adultos infelizes na área sexual. E a maior parte deles, não recebeu uma orientação adequada sobre isso na infância e adolescência, pelo contrário, muitos recebem uma educação repressiva, ou a indiferença. O que vem a gerar a muitas dificuldades na vida sexual, e acaba prejudicando muitos relacionamentos. 


REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.
COSTA, Moacir. Sexualidade da Adolescência: Dilemas e Crescimento. 3. ed. São Paulo: L&PM Editores, 1986.
SUPLICY, MARTA. Conversando sobre sexo. Petrópolis: Vozes, 1984.

terça-feira, 22 de março de 2011

BULLYING



              A autora Cleo Fante (2005) inicia o texto conceituando o termo bullying, que, para autora, seria uma “[...] palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais [...]”(p. 27)
              Fante (2005) também aponta que na maioria dos casos o agressor direciona suas ameaças e agressoões em direção à uma vítima indefesa e frágil, que geralmente não consegue se defender, seja por sua fraca estrutura física, seja por timidez, entre outros fatores. Em outras palavras, portanto, 

[...] bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angustia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuações de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying. (FANTE, 2005, p.28-29)

              Ao descrever o fenômeno bullying, Fante (2005) também esclarece que este tipo de violência não acontece somente nas escolas, apesar de ser o local mais comum. Mas as agressões, ameaças, humilhações, podem se dar também na família, em clubes, no trabalho, no exército, entre outros ambientes. Além disso, deve-se considerar que, apesar deste fenômeno ter chamado tanto a atenção nas últimas décadas, despertanto várias pesquisas, as manifestações de bullying estiveram presentes desde os tempos mais remotos, configurando apenas agora, um tema de denúncia.   A autora alerta, ainda, que este fenômeno infelizmente é muito comum nas escolas. Em pesquisa realizada no Rio de Janeiro em 11 escolas com alunos de 5° a 8° series 40,5% dos alunos admitiram estar envolvidos de alguma forma em bullying.    
              Fante (2005), ao debruçar-se sobre o estudo do desenvolvimento do fenômeno bullying em sala de aula, retoma os apontamentos do professor Dan Olweus. No qual ele diz ser comum a existência de tensões e conflitos uma sala de aula. No entanto, quando há um ou mais agressores em potencial, que possua um temperamento irritadiço, manifestando uma necessidade de ameaçar, subjugar e dominar, estes podem acabar influenciando um grupo, ou até toda a classe. Nesse sentido, pequenas atitudes agressivas, vão tomando força, e se tornam em grandes manifestações de violência conforme o agressor sente-se onipotente e admirado pelo restante do grupo. Por sua força física, o agressor acaba ferindo fisicamente e psicologicamente as vítimas, e estas, por sua vez são escolhidas por serem alvos frágeis. Geralmente, são pessoas tímidas, inseguras, passivas, com dificuldade de se expor, entre outras características. Estas pessoas são escolhidas pelos agressores por estes saberem que a vítima não irá revidar, e ninguém lhe sairá em defesa. Nas palavras da autora,

Esse tipo de aluno representa o elo frágil da cadeia, uma vez que o agressor sabe que ele não vai revidar se atacado, que se atemorizará, vindo talvez a chorar, não se defenderá e ninguém o protegerá dos ataques que receber. O bode expiatório constitui-se, para um aluno agressor, num alvo ideal. Sua ansiedade, ausência de defesa e seu choro produzem um forte sentimento de superioridade e de supremacia no agressor, que pode então satisfazer alguns impulsos de vingança. (FANTE, 2005, p. 48)
              A autora continua pontuando que, geralmente, os agressores se satisfazem vendo outros atacarem as vítimas, da mesma forma quando ele mesmo é o autor dos ataques. Contudo, na maioria das vezes, os professores e outros funcionários da escola não percebem o que está acontecendo, deixando assim, os alunos entregues a si mesmos. Fante (2005) expõe ainda que, na maioria dos casos, a vítima não conta o ocorrido para ninguém, e além disso, é comum que vários outros alunos participem dos maus-tratos às vítimas elencadas. Infelizmente, a autora comenta que os alunos agredidos muitas vezes passam acreditar que não tem valor e que são merecedores dos ataques. Estes alunos isolam-se cada vez mais, ficando cada vez mais estigmatizados pelos outros estudantes. O fato de os outros alunos temerem tornar-se também alvo dos ataques, acaba fazendo com que eles se afastem das vítimas, consumando ainda mais, o isolamento do aluno atacado.
              Fante (2005), ainda citando o professor Dan Olweus, constata que a grande maioria dos casos de bullying se dão dentro das escolas. Contudo, para um ato agressivo ser considerado bullying, deve ser levado em consideração a gravidade e a freqüência da agressão. Sendo assim, a autora caracteriza os atos de bullying como:

[...] comportamentos produzidos de forma repetitiva num período prolongado de tempo contra uma mesma vítima; apresentam uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ocorrem sem motivações evidentes; são comportamentos deliberados e danosos. (FANTE, 2005, p. 49).

              Por último, a autora diferencia dois tipos de bullying, a direta e a indireta, sendo as duas, muito prejudiciais às vítimas. A primeira inclui agressões físicas e verbais. E a segunda, indireta, seria provavelmente a mais danosa, ao conferir à vítima traumas irreversíveis, que aconteceria através da disseminação de rumores desagradáveis e desqualificantes, objetivando a exclusão e discriminação da vítima de seu grupo social.    
               
        

FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying. In:Fenômeno Bullying: Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas, SP: Verus, 2005. p. 27-50.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A Lei Paterna e o Paradigma na Construção da Identidade em Crianças e Adolescentes


A partir do momento em que o ser humano passou a agir sobre a natureza por meio do trabalho, ele emergiu como sujeito, apropriando-se da cultura, da linguagem e da lei. Neste contexto, fez-se necessário também, que o homem abrisse mão de certa liberdade individual, para se submeter a um convívio em sociedade. Frente a essa contradição, nos tornamos humanos na medida em que renunciamos a onipotência do nosso desejo, e nos submetemos às regras necessárias para um convívio harmonioso em comunidade.
Tal renúncia, de acordo com Freud, representaria o alto preço pago para manutenção da civilização hodierna. Hoje, portanto, o ser humano já nasce imerso a toda uma gama de regras e limites que delineiam nossa complexa sociedade atual. E desde cedo terá, então, de aprender a seguir cada uma dessas leis básicas de convivência. Tal aprendizado dá-se principalmente através dos processos identificatórios. Uma vez que, para constituir-se, um ser humano busca, em outros, atributos e modelos para seguir. Este processo de identificação dar-se-ia principalmente nos primeiros anos de vida, em que a criança elege como modelo de conduta, as pessoas mais representativas de sua vida. Pais, familiares, professores, entre outros; em um movimento dialético entre interior e exterior, impressões subjetivas, e estímulos vindos do ambiente. Tudo isto, propiciaria a estruturação da identidade individual do ser humano. E, conseqüentemente, a introjeção de normas e regras imprescindíveis que o possibilitaria tornar-se membro da sociedade humana. 
Este processo estruturante, teorizado também por Lacan, como Lei Paterna, implica sumariamente em uma interdição do desejo onipotente da criança. Papel este, desempenhado por uma figura paterna, que entra como terceiro na relação dual entre mãe e filho, a fim de barrar a consumação de desejos incestuosos, impondo, dessa forma, a Lei Primordial a qual seria a base de toda constituição moral e valorativa repassado para a criança. Neste contexto, a figura paterna seria a representação da lei para o indivíduo em sua mais tenra idade, ocupando um posicionamento de principal modelo identificatório para a criança.
 Tendo estas considerações em mente, uma ascendente preocupação hoje, são as mudanças culturais e sociais que poderiam, de alguma forma, alterar ou até prejudicar tal estruturação moral sintetizada acima, sendo então, uma das prováveis causas da falta de limites, e da indisciplinaridade, tão comentadas hoje nos comportamentos de crianças e adolescentes. Nesse ínterim, o problema expoente da criminalidade infanto-juvenil também encontraria, na ausência de uma Lei Paterna, uma possível causa.       
Sob uma perspectiva histórica, notou-se que a imagem do Pai sofreu, sim, uma desvalorização. Houve um declínio daquela posição autoritária e detentor exclusivo da lei e da ordem. Paralelamente, devido também à multiplicidade de arranjos familiares, e a valorização da mulher no sentido de um movimento de ‘igualdade entre os sexos’; responsabilidades, deveres e direitos que eram atribuídos apenas para o genitor da criança, passaram a ser de responsabilidade mútua de pai e mãe igualmente.
Portanto, pode-se inferir que as modificações históricas e culturais na estruturação social da família e da sociedade em geral, trouxeram consideráveis alterações na Lei Paterna, que hoje, configura-se de maneira diversa daquela conhecida anteriormente em períodos passados. Houve sim, uma mudança, um declínio na Imagem Paterna. Entretanto, esta não se configura em um declínio da Lei do Pai. Uma vez que tal posição, de representante da Lei, tem sido desempenhada por outras pessoas ou instâncias: se não pelo pai biológico, por um padrasto, por um tio ou avô, por uma mãe, por uma professora. E além deles, órgãos e instituições também desempenham hoje, esta representação, seja a instituição escolar; seja os Conselhos Tutelares; seja a instituição judiciária, por meio da Vara da Infância e da Juventude; seja o próprio Estado; e a comunidade em geral.[1]
Sendo assim, podemos dizer que temos hoje, várias instâncias representantes da Lei para crianças e adolescentes que não somente seus pais. Entre elas, destacamos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz consigo direitos e deveres de propriedade da população infanto-juvenil.
Volta-nos então, a pergunta: se atualmente a função da Lei Paterna pode, sem prejuízos, ser desempenhada por outra pessoa que não necessariamente o pai; por que motivos, hoje se vê a expoente problemática de infrações e violências cometidas por crianças e adolescentes? E ainda, por que um dos assuntos mais preocupantes na atualidade, tem sido a indisciplinaridade e a rebeldia deste feixe da população?
Sobre isto, não há outra explicação, senão dizer que por razões multifatoriais[2], a intervenção da Lei Paterna, não tem sido integralmente efetiva na vida dos indivíduos, causando assim, posicionamentos e atitudes que divergem das normatizações estabelecidas socialmente. Uma vez que, por um lado, há uma intimação para que todo familiar, órgãos e instituições, bem como de toda comunidade, assumam sua parcela de responsabilidade no que tange a garantia os direitos da população infanto-juvenil, conferindo a estes indivíduos um desenvolvimento saudável e próspero. E, por outro lado, infelizmente esta intervenção não tem sido efetiva em nossa atualidade, manifestando uma negligência maléfica, que tem permitido a perpetuação de um contexto infeliz na vida de muitos jovens. 





[1] A participação da sociedade em uma forma geral na vida de crianças e adolescentes, se deu após a constituição de 1988, que estabelece um convênio de colaboração mútua entre todos, na tutela “lato sensu” de crianças e adolescentes. É claro que, a convivência experimentada pela criança e, posteriormente, pelo adolescente na escola, com professores, familiares de seus amigos, etc., são determinantes na configuração de suas personalidades na mesma proporção que têm influência dos reais titulares do poder familiar.Ainda que uma série de órgãos e entidades mesmo que particulares, estejam voltados, direto ou indiretamente à essas finalidades, relevante ressaltar, que o feixe de atribuições e por conseguinte, as suas conseqüências, repercutem tão apenas na esfera individual daqueles que legitimamente o detém. Ou seja, ainda que os professores e os pais exerçam quantitativa e qualitativamente influências de variadas naturezas, sobre os alunos (e filhos), os vetores resultantes das ações e/ou omissões que uns e outros incorram, no sentido da negligência ou da imprudência no exercício destas prerrogativas, são evidentemente distintas.
A exemplo, tem-se os resultados na esfera jurídica de excessos de poder correcional por parte dos professores que ocasionam processo criminal, e de outra parte, os pais, que são destituídos do poder parental, sem prejuízo de eventual sanção penal. 
     [2] Razões estas não abordadas aqui, por não adentrar as especificidades do presente trabalho, suscitando, contudo, questões relevantes para uma próxima oportunidade. 


FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. (1929/1969). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. (1913/1969) In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FREUD, Sigmund. Algumas conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos. (1925/1969). In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, v. XIX. Rio de Janeiro: Imago. 1969.
FREUD, Sigmund. O Ego e o Id (1923/1976). In: Obras Psicológicas Completas. Coord. Ed. de Pedro Paulo de Sena Madureira. 1ª Edição, Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago. 1976.
HURSTEL, Françoise. As novas fronteiras da paternidade. Campinas, SP: Papirus, 1999.
LACAN, Jacques. (1957/1958) O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.


MARTINS, Andressa Pires (et al). A Lei Paterna e o Paradigma na Construção da Identidade em Crianças e Adolescentes. Relatório Final de Pesquisa Docente, Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude (NEDIJ), Universidade Estadual de Maringá, 2010

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Olhar....

"As pessoas não sabem mais olhar para dentro de si mesmas e se verem tais como são: imensas, sagradas e plenas de potencialidades. É função da psicoterapia colocar a pessoa, a todo instante, diante de si mesma, olhando-se sem prevenção, sem desprezo, sem culpa de querer ser feliz, mas com amor, orgulho de si mesma, com fascínio e celebração da própria realidade." (Jorge Ponciano Ribeiro)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Apontamentos sobre o Juízo Moral

Do latim “mores” – relativo aos costumes, moral é o...

“Conjunto de regras dos costumes e prescrições a respeito de comportamentos e condutas, que podem ser consideradas válidas, éticas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupos ou pessoa determinada, estabelecidas e aceitas pelas comunidades humanas durante determinados períodos de tempo” (Aurélio Buarque de Holanda).

Jean Piaget (1896 – 1980) afirma que “Toda moral é um sistema de regras e a essência de toda a moralidade consiste no respeito que o indivíduo sente por tais regras”.
Segundo Piaget, a fonte dos primeiros sentimentos morais é o respeito, sentimento este gerado na união da afeição e do temor. Portanto, o ingresso da criança no universo moral se dá pela aprendizagem de diversos deveres a ela impostos pelos pais e adultos em geral. Tal imposição é possível na fase de heteronomia da criança, pois esta está inclinada a aceitar as regras como inquestionáveis. Basta que os entes respeitados estabeleçam normas e regras, para aqueles que os respeitam vejam essas regras como obrigatórias e se sintam no dever de obedecer.
Para as crianças, a moral conduz à obediência e o bem se estabelece por referência à vontade dos pais. A base desta moral é uma vontade exterior e constrangedora, por isso dita heterogênea. Portanto, todo ato bom é aquele que corresponda à obediência à regra ou aos adultos. A norma é exterior à consciência, revelada e imposta pelo adulto, e suas razões são desconhecidas. As normas morais ainda não são elaboradas, ou reelaboradas pela consciência, e não são entendidas pela sua função social.
A evolução da prática e da consciência da regra pode ser dividida em três etapas. A primeira, a anomia, é característica de crianças de até cinco ou seis anos de idade aproximadamente, sendo que, nesta etapa, as crianças não seguem regras coletivas, há ausência de moral e de regras. A segunda, a heteromia, é onde surge o interesse em participar de atividades coletivas e regradas. Nesta fase, a criança concebe as regras como algo sagrado e imutável. Porém, na prática, mostra-se muito liberal em relação à aplicação das regras, introduzindo, por exemplo, uma regra que a beneficia sem consulta prévia dos adversários. Como outrora dito, é nesta fase que a criança melhor assimilará as normas e regras impostas externamente, pelos adultos que a cercam. A última etapa é da autonomia, e corresponde à concepção adulta do jogo, que será melhor explicitada a seguir.
Na moral ligada à autonomia, a regra do jogo se apresenta à criança não mais como uma lei exterior, sagrada enquanto imposta pelos adultos, mas como resultado de uma livre decisão e como digna de respeito na medida em que é mutuamente consentida. A partir desse momento, a criança aceita que se mudem as regras, desde que todos concordem, assim, todas as opiniões são permitidas; ela também deixa de considerar as regras como eternas e transmitidas através das gerações. A regra agora é concebida como uma livre decisão das próprias consciências. Não é mais coercitiva nem exterior, pode ser modificada e adaptada às tendências do grupo, é uma construção progressiva e autônoma. Isso ocorre por volta dos dez, onze anos em média.
Quando a criança se afasta de seu egocentrismo intuitivo, e passa a entender os diversos pontos de vista de indivíduos diferentes, ela passa a valorizar o outro, surgindo então, o respeito mútuo e a cooperação. Os sentimentos morais deixam de ser ligados à obediência, e nasce o sentimento de regra. Até então, uma regra era tida como verdadeira se estivesse unida a uma autoridade superior, era justo o que era imposto e, a partir de agora, basta que tal regra seja adotada por todos e que resulte de um tipo de contrato, o qual é condicionado pelo respeito mútuo.
O respeito mútuo aparece como a condição necessária para autonomia, sob seu duplo aspecto, intelectual e moral. Liberta as crianças das opiniões impostas, em proveito da coerência interna e do controle recíproco. A cooperação também é um fator importante para conquistar essa autonomia moral.


NICOLAS, A. Introdução ao pensamento de Jean Piaget. Tradução de Odilon Mattosinhos de Miranda.Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. Tradução Elzon Lenardon. São Paulo: Summus, 1994.
TAILLE, Y. L.; OLIVEIRA, M. K.; DANTAS, H. Piaget, Vygotsky e Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. Organizadores: Yves de La Taille, Marta Kohl de Oliveira, Heloysa Dantas. São Paulo: Summus, 1992.


Andressa Pires Martins Santana e Noélton Panini de Souza. Universidade Estadual de Maringá.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Reflexões sobre a adolescência...

          O conceito de adolescência é proveniente do latim ad = para, lescere = crescer: ‘crescer para’. De acordo com Daniel Becker (2003)[1], sob o ponto de vista adulto, a adolescência é vista como um período de desenvolvimento e de conflitos acentuados, em que, o indivíduo deve superar as mudanças corporais; os questionamentos pessoais; os conflitos familiares; ou seja, ultrapassar a dita “crise normal da adolescência”, para enfim, estar pronto e satisfatoriamente capacitado para adentrar no mundo adulto, adequando-se formalmente à estrutura da sociedade. 
No entanto, segundo Patrícia Giannini (2007)[2], o período da adolescência não deve, de maneira nenhuma, ser visto com uma “passagem” da infância para idade adulta. Pelo contrário, deve ser considerado como uma importante etapa do ciclo de vida, com suas próprias características e peculiaridades. Nesta fase, o indivíduo enfrenta profundas alterações em praticamente todas as áreas de sua vida. Gerando novas formas de se perceber, pensar, sentir e agir. É uma etapa de grandes oscilações entre posturas infantis e adultas, em busca de uma definição de identidade própria.                 
            De acordo com Tiago Corbisier Matheus (2008)[3], A noção de adolescência como momento de turbulência e crise, surge na Idade Moderna e consolida-se como tal, na Idade Contemporânea. A partir da organização social moderna, a noção de indivíduo não é mais regida por um ideário transcendental, telocêntrica, como na época Medieval. Mas sim, organizada por um pensamento antropocêntrico, iluminista, pautada na racionalidade e na autodeterminação. Nesse contexto, o indivíduo é visto como responsável por suas próprias ações e escolhas, dono de seu próprio destino, capaz de construir sua realidade. Dessa forma, o ser humano, é então dotado de sua própria interioridade, configurando o que chamamos de processo de subjetivação do homem moderno.        
            Neste cenário, portanto, o período da adolescência passou a se caracterizar como uma fase de “crise” que a pessoa atravessa, para constituir-se como indivíduo. Segundo Matheus, tal “crise”,

[...] circunscreve a um momento específico da vida, com um fim previamente estabelecido, turbulências inevitáveis que cada sujeito é convocado a experimentar, a fim de conquistar a condição de indivíduo, seguindo as diretrizes do ideário da modernidade. A crise é, então, fruto do exercício da interioridade de cada um, em função das tensões e conflitos que a configuram como tal. É o preço a ser pago pela pretensa condição de independência frente às amarras da organização social; é expressão do desamparo que sua condição (imaginária) de autonomia exige, servindo, ao sujeito, como provação anônima para alcançar o estatuto de indivíduo. (MATHEUS, 2008)[4] 

Becker (2003)[5] enfatiza que há diversas visões e abordagens, que possibilitam vislumbrar de maneiras diferentes tal período tão importante da vida de uma pessoa. Uma delas, seria o benefício conferido tanto ao próprio indivíduo, como para a sociedade, uma vez que, tal fase se caracterizaria pela apropriação de uma atitude ativa, crítica, questionadora; que por sua vez, suscita revisão, auto-crítica, mudanças, e portanto, aperfeiçoamento de si mesmo e do ambiente que o cerca. Um jovem que ainda não tenha sido moldado segundo os dogmas e conceitos, considerados pelo mundo adulto como verdades absolutas, poderia certamente assumir uma posição de inconformidade, se rebelando contra determinados valores, estigmas, preconceitos, e tradições que tentam lhe impor.  
Devemos considerar também, que os jovens de hoje deparam-se não só com o enfrentamento de seus conflitos interiores e mudanças corporais, mas também com as contradições e injustiças do meio em que vivem. Além da cultura, mercado e tecnologias em intensa mutação, em que valores tradicionais, acabam por se contrapor a idéias novas. Por este motivo Becker (2003)[6] afirma que em nossa sociedade, o período da adolescência vem se tornando cada vez mais longo e complexo.
Cabe também salientar que, adolescência não é a mesma para os vários sujeitos implicada nas distintas realidades sociais da atualidade, podendo assumir características bem distintas de um indivíduo para outro. Se considerarmos os fatores sociais, culturais, familiares e pessoais, de cada jovem, ele poderá admitir idéias e comportamentos diversos em diferentes contextos. Por exemplo, uma criança de classe social mais inferior, provavelmente será impulsionada para o mercado de trabalho bem mais cedo, adentrando no mundo adulto precocemente, diferentemente da situação de uma criança de classe social mais elevada, que teria a oportunidade de dedicar-se aos estudos, ou à outras atividades, mesmo que banais, prolongando sua adolescência. Em outros casos, há quem queira reproduzir a vida e os valores da família e da sociedade, e há os que contestam e rejeitam tais conceitos. Enfim, existem inúmeros contextos, oportunidades e escolhas. É inegável que existam variações de acordo com a tradição cultural de cada organização social em particular[7].
            Uma das principais transformações constatadas no período da adolescência, é a mudança qualitativa de sua atividade cognitiva. Um adolescente certamente pensa de forma muito distinta do que a criança. Isto porque, de acordo com Jean Piaget (1967)[8], a adolescência é caracterizada pelo tipo de pensamento das operações formais, que em síntese, constitui o pensamento hipotético-dedutivo, o raciocínio abstrato, a capacidade de engendrar possibilidades, formular hipóteses e pensar a respeito de símbolo sem basear-se propriamente na realidade. E é tudo isso é que permite ao adolescente especular, abstrair, analisar, criticar e propor mudanças. Tal transformação na maneira de pensar, seguramente afeta todos os aspectos da vida da pessoa, propiciando-a a pensar a respeito de si mesmo e do mundo que a cerca.
De acordo com a autora psicanalítica Arminda Aberastury (1991), a adolescência se caracteriza por um período de contradições, ambivalências e atritos entre o meio familiar, social e pessoal. O que configuraria a chamada “crise essencial da adolescência” (ABERASTURY, KNOBEL, 1991, p. 13), tal crise, no entanto, não configura uma patologia, mas uma síndrome normal da adolescência. Trata-se, portanto, de uma tensão esperada, que cada um deve experimentar de forma singular.
Neste processo, o indivíduo depara-se com uma série de perdas, entre elas, a perda do papel e da identidade infantil, ou seja, a perda dos privilégios de criança, com o conseqüente temor das responsabilidades do adulto que se aproximam. Outra perda, refere-se ao corpo infantil, às mudanças físicas e biológicas que o adolescente sofre principalmente no período da puberdade. E por último, à perda dos pais da infância, que antes, eram idealizados, eram heróis, onipotentes, onipresentes, e ofereciam toda proteção e apoio; mas agora, são vistos como falhos, e impotentes na maioria das vezes. Frente a estas perdas, o adolescente reagiria “elaborando lutos”; luto pela identidade infantil, pelo corpo infantil, e pelos pais da infância. Tal elaboração psíquica despende, certamente, muita reflexão, angústia, dúvida, instabilidade e até depressão em alguns casos. Configurando, dessa forma, a crise essencial da adolescência[9].
A questão do abandono dos pais da infância seria, possivelmente, a elaboração mais complexa e dolorosa. Sigmund Freud (1989)[10] postula que, neste momento, o adolescente estaria realizando um movimento de mudança de objeto de desejo, que antes, estaria dentro da própria família, no amor aos genitores. E, agora, estaria sendo gradativamente sendo transferido para as relações extra-familiares. Neste processo, o indivíduo estaria se desligando progressivamente do núcleo familiar, e da autoridade dos pais, integrando-se cada vez mais à sociedade. Tal necessidade de separação e o próprio afastamento em si, levariam à rejeição, ao ressentimento e hostilidade contra os pais e demais autoridades, caracterizando o que Freud denominou de “conflito de gerações”. Tal distanciamento permitiria o jovem a visualizar seus pais de forma mais crítica, analisando seus conceitos e seu modo de vida. O que algumas vezes poderia ocasionar sentimentos de desvalorização ou até de agressão direcionada aos genitores[11].       
Outro autor psicanalítico que aborda o conceito de crise na adolescência, é Erik Erikson (1976), que enfoca a questão da “crise de identidade”. Ressaltando, contudo, que a palavra “crise” não teria em sua intenção, a conotação de catástrofe iminente, mas nas palavras do autor, o termo “[...] está sendo agora aceito para designar um ponto decisivo e necessário, um momento crucial, quando o desenvolvimento tem que optar por uma ou outra direção, escolher este ou aquele rumo, mobilizando recursos de crescimento, recuperação e nova diferenciação.” (ERIKSON,1976, p. 14).
Neste processo, a principal tarefa do adolescente seria a aquisição da identidade do ego[12], isto por meio das identificações com diversas figuras representativas de sua vida. E através do repúdio de umas, e da absorção de outras, gradativamente, se constituiria sua identidade individual. Nesta busca de novas identificações, novos padrões de comportamentos, novos modelos representativos, os jovens espelham-se em todos os tipos de modelos, desde artistas, passando por professores, familiares, atletas, políticos, até filósofos e cientistas; em uma tentativa de fortalecer sua própria personalidade. Neste momento o próprio ato de se apaixonar, tão freqüente na adolescência, seria uma tentativa de projetar e testar o próprio ego por meio de outra pessoa, identificando-se com ela e clareando sua própria identidade. Neste caminho, de erros e novas tentativas, pode haver momentos de tanta identificação, que o jovem praticamente sinta que perdeu sua própria identidade[13].
Além disso, nesta fase há uma enorme necessidade de pertencer a um grupo. Principalmente por se sentir perdido, não pertencente nem ao mundo infantil, nem ao mundo adulto. Dessa maneira, o grupo ajuda o indivíduo a encontrar sua própria identidade no contexto social, propondo certa uniformidade no comportamento, no pensamento e nos hábitos, inclusive ao adquirir um conjunto de idéias compartilhadas pelos membros deste grupo.       
Considerando todos os aspectos pontuados acerca das vivências psíquicas e sociais da vida do adolescente, temos que, a melhor forma de desfrutar este período da vida, tanto para o adolescente, como para a própria sociedade, seria proporcionar a estes jovens, um bom apoio biopsicossocial, que propiciasse um desenvolvimento saudável e próspero. Nesse sentido, é imprescindível o reconhecimento do período da adolescência como uma etapa exclusiva da vida, com suas próprias peculiaridades, e não apenas como uma “passagem” ou “transformação” da vida infantil para a vida adulta.
Importante também é o reconhecimento de que, diferentemente do que hoje se prega, não se finda no próprio indivíduo as decisões de sua própria vida; não está limitado em si mesmo o estabelecimento de seu futuro, pelo contrário, são múltiplos os fatores que influenciam sua trajetória. É preciso visualizar a adolescência sob uma perspectiva mais ampla possível, que inclua não só as questões biológicas e psicológicas, de importância fundamental, mas também o contexto sócio-econômico, cultural e histórico, na qual ele está inserido. Com isso em vista, deve-se, portanto, garantir aos jovens condições necessárias que os propicie boas experiências e oportunidades nas quais eles possam se desenvolver. Tais garantias fundamentais estão explicitadas no artigo 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente[14].               
Por fim, entendemos que o Estatuto está pautado inteiramente nas considerações psíquicas e sociais aqui mencionadas, trazendo garantias e responsabilizações adequadas à condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram tais indivíduos. Contudo, muitos ainda desconhecem tais aspectos inerentes à juventude moderna. Assunto este, que certamente não se esgotou neste pequeno escrito. E que, infelizmente tem colaborado para também alimentar a falsa sensação de impunidade difundida na sociedade.    

MARTINS, Andressa Pires (et al). Responsabilidade Penal: maioridade versus sentimento de impunidade. Relatório Final de Pesquisa Docente, Núcleo de Estudos e Defesa de Direitos da Infância e da Juventude (NEDIJ), Universidade Estadual de Maringá, 2009.


[1]BECKER, Daniel. (1985) O que é adolescência. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2003.
[2]GIANNINI, Patrícia. As transformações da Infância e da Adolescência: como a sociedade está lidando com isso. Contato, ano 09, n° 52, jul/ago 2007. CRP-PR
[3] Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo, SP, Brasil); doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (São Paulo, SP, Brasil); também exerce atividade docente na Fundação Getúlio Vargas - FGV (São Paulo, SP, Brasil) e de supervisão na Universidade Paulista - UNIP (São Paulo, SP, Brasil).
[4] MATHEUS, Tiago Corbisier. Quando a adolescência não depende da puberdade. Rev. latinoam. psicopatol. fundam.,  São Paulo,  v. 11,  n. 4, Dec.  2008 .  
[5]BECKER, Daniel. (1985) O que é adolescência. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2003.
[6] BECKER, Daniel. (1985) O que é adolescência. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2003.
[7]  Idem.
[8] PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense, 1967.

[9] ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal. 9.ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
[10] Freud, Sigmund. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1989.
[11] BECKER, Daniel. (1985) O que é adolescência. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2003.
[12] O eu seria a instância psíquica, denominada por Freud, responsável por manter a integridade física e psíquica do indivíduo, em outras palavras, responsável por manter o organismo vivo.
[13] BECKER, Daniel. (1985) O que é adolescência. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2003.
[14] Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.